UMA POSSÍVEL DEFINIÇÃO SOBRE A LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA GENÉRICA COLETIVA NO HORIZONTE: TEMA REPETITIVO 1169 DO STJ
Espera-se que a Corte Especial do STJ defina, nesta quarta-feira (4.9.2024), por meio do Tema Repetitivo 1169, “se a liquidação prévia do julgado é requisito indispensável para o ajuizamento de ação objetivando o cumprimento de sentença condenatória genérica proferida em demanda coletiva, de modo que sua ausência acarreta a extinção da ação executiva, ou se o exame quanto ao prosseguimento da ação executiva deve ser feito pelo Magistrado com base no cotejo dos elementos concretos trazidos aos autos”.
Foram afetados, para definição da tese, os REsp 1.985.491/RJ, 1.978.629/RJ e 1.985.037/RJ, como representativos da controvérsia. A relatoria do Tema Repetitivo ficou ao cargo do ministro Benedito Gonçalves, e houve a determinação de suspensão de todos os processos, em âmbito nacional, que versem sobre a mesma matéria.
As causas-piloto são ações autônomas de cumprimento de sentença objetivando a efetivação de comando judicial, reconhecedor de verbas a favor de servidores do IBGE, proferido em mandado de segurança coletivo, as quais foram extintas no âmbito do TRF2, que considerou necessária a prévia liquidação antes da execução da sentença coletiva.
Nos recursos especiais interpostos, os quais foram admitidos na origem, verificou-se a existência de dissídio jurisprudencial entre decisões de tribunais federativos, incluído o STJ, no tocante à interpretação e aplicação de dispositivos legais tidos por violados, entre eles os artigos 95, 97 e 98 do CDC. Em síntese, argumentam os recorrentes que, dependendo de simples cálculos aritméticos a apuração do valor devido, não seria necessária a prévia liquidação do título coletivo, nos termos do artigo 509, §2º, do CPC.
Em outras palavras, a interpretação dos artigos correspondentes do CDC abre margem para a ocorrência de liquidação ou execução direta do comando judicial, tudo a depender das características da ordem jurisdicional e da situação concreta.
A questão, no âmbito da execução da sentença genérica executiva, é especialmente tormentosa, na medida em que, ainda que se admita a execução (rectius: cumprimento de sentença) direta do comando judicial, mesmo assim a execução teria uma carga cognitiva sensivelmente superior à de uma execução de título executivo judicial decorrente de um processo individual.
Mesmo no cumprimento de sentença direto, o beneficiado da demanda coletiva, como destacado em doutrina[1] e na jurisprudência, deverá comprovar elementos da responsabilidade do autor do dano em relação a si (titularidade, nexo de causalidade e danos indenizáveis). Nas palavras do saudoso ministro Teori Zavascki, referência no estudo da tutela coletiva, “A ação individual destinada à satisfação do direito reconhecido em sentença condenatória genérica, proferida em ação civil coletiva, não é uma ação de execução comum. É ação de elevada carga cognitiva, pois nela se promove, além da individualização e liquidação do valor devido, também juízo sobre a titularidade do exeqüente em relação ao direito material” (STJ; EREsp 475.566/PR, j. 25.8.2004). [2]
Naturalmente, diante das peculiaridades derivadas da sentença coletiva genérica, a imperatividade de prévia liquidação é ponto de controvérsia entre as turmas do STJ.
Há julgados em que a Terceira e a Quarta Turmas do STJ se manifestaram sobre a necessidade de a liquidação preceder a execução da sentença coletiva,[3] uma vez que se trata de condenação genérica que fixa apenas a responsabilidade do réu pelos danos causados (AgInt no REsp 1757009/SP, Quarta Turma, DJe 14.10.2019; AgInt no AREsp 1101440/SP, Terceira Turma, DJe 20.8.2019).
Por outro lado, a Primeira e a Segunda Turmas têm precedentes em que se posicionaram diferentemente, ao reconhecer que, nas hipóteses em que o montante a ser pago dependa de meros cálculos aritméticos, não se justifica a exigência da liquidação prévia do julgado (AgInt no REsp 1885603/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 26.2.2021; AgInt nos EDcl no AREsp 1412387/RJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 3.12.2020).
O Relator do Tema Repetitivo já manifestou que, em algumas situações, a liquidação poderá ser dispensada na linha do §2º do artigo 509 do CPC, tendo o julgando sido suspenso por pedido de vista do ministro Raul Araújo.[4]
O julgamento do Tema Repetitivo 1169 é uma chance, portanto, de pacificação da matéria, na medida em que, se efetivamente decidido, terá o condão de gerar um precedente qualificado, capaz de vincular todos os órgãos jurisdicionais brasileiros, à luz dos artigos 926 e 927 do CPC.
O escritório Françolin, Cury, Alouche e Ramos Sociedade de Advogados possui vasta experiência no assessoramento, consultivo e contencioso, de matérias que envolvem o direito cível, colocando-se à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos complementares acerca do assunto abordado neste artigo.
Renato José Cury. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP. Presidente da AASP no biênio 2019-2020. Sócio em Françolin, Cury, Alouche e Ramos Sociedade de Advogados. E-mail: rcury@fcaradv.com.br.
Pedro Augusto de Jesus. Doutor em Direito Processual (USP). Advogado em Françolin, Cury, Alouche e Ramos Sociedade de Advogados. E-mail: pjesus@fcaradv.com.br.
Camila Bueno do Prado Kiraly. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogada em Françolin, Cury, Alouche e Ramos Sociedade de Advogados. E-mail: ckiraly@fcaradv.com.br.
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[1] A definição não se restringe ao quantum debeatur, como indicado por Didier Jr., Fredie; ZANETI JR, Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 4ª ed. Salvador: JusPodivm, 2009. v. 4. p. 373/374.
[2] Na atualidade, mesmo entendimento permanece: STJ; AgInt REsp n. 1.828.559/RS, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 3.4.2023.
[3] Dentro da Terceira Turma, há entendimento divergente: “6. Em regra, a obrigação reconhecida na sentença de procedência do pedido de ação coletiva de consumo referente a direitos individuais homogêneos é genérica, ocasião na qual depende de superveniente liquidação para que se definam o cui e o quantum debeatur. […]
- Se uma sentença coletiva reconhece uma obrigação inteiramente líquida, tanto sob a perspectiva do cui quando do quantum debeatur, a liquidação é dispensável, pois a fixação dos beneficiários e dos critérios de cálculo da obrigação devida já está satisfatoriamente delineada na fase de conhecimento da ação coletiva.” (STJ, REsp n. 1.798.280/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 28/4/2020, DJe de 4/5/2020).
[4] https://www.migalhas.com.br/quentes/402948/stj-analisa-previa-liquidacao-em-cumprimento-de-sentenca-coletiva.Acesso: 3.9.2024, às 9:55.