A NOVA E RECENTE TENTATIVA DE REDUÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO SEM REDUÇÃO SALARIAL: FIM DA JORNADA 6×1?
Recentemente as redes sociais e a mídia repercutiram nova tentativa de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que busca reduzir a duração normal do trabalho de quarenta e quatro para trinta e seis horas semanais. Apresentada pela deputada Erika Hilton (PSOL), a PEC propõe a manutenção da do limite de oito horas diários, porém, com jornada de trabalho de quatro dias e três dias de folga por semana, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, sem redução salarial[1]. Também segundo a proposta, essa nova regra deverá ser observada no prazo de 1 (um) ano após a aprovação da PEC.
O tema viralizou nas redes sociais quando Ricardo Cardoso Azevedo, um ex-balconista de farmácia, que hoje é vereador pela cidade do Rio de Janeiro, postou um video com críticas a escala 6×1. Para ele, a escala 6×1 feria diretamente a sua dignidade, pois não era possível realizar as atividades cotidianas e descansar em apenas um dia.
Para fundamentar a sua proposta, o projeto em questão cita uma reportagem publicada em 2021, com base em dados de 2019 relativos ao mercado de trabalho de países da Europa Ocidental e Oceania[2]. O documento ainda cita uma nota técnica do DIEESE de 2010[3], bem como um projeto piloto que ainda está em curso com empresas de até duzentos e cinquenta empregados, por meio do qual elas concordam em reduzir a jornada semanal para quatro dias (“Four Day Week Global Project)[4].
Interessante observar que a notícia narra que algumas empresas desistiram de participar da supracitada iniciativa global em razão de dificuldades como disputa entre colegas por dia de folga, sobrecarga de trabalho, e dificuldade de bem atender o clientes em prazo limitado.
A aprovação da PEC, no entanto, exige um amplo debate, na medida em que essa mudança impacta consideravelmente o mercado, a economia e as relações de trabalho formais. Para tanto, é importante se debruçar nos dados atuais a respeito do mercado de trabalho, preferencialmente relacionados à população economicamente ativa brasileira, bem como explorar os ramos de atividade nos quais a experiência de redução de jornada não funcionou, para entender quais são os limites dessa idéia.
Ainda, é necessário entender com base em estudos econômicos se a premisa, adotada na nova proposta de PEC, de maior tempo livre significa efetivamente maior consumo e, consequentemente, maior crescimento econômico. Isso porque o aumento salarial decorrente da redução de jornada fatalmente será repassado ao preço dos bens e serviços, o que não necessariamente beneficiará o desenvolvimento da economia e tampouco melhorará o poder de compra dos trabalhadores.
A discussão, contudo, não é nova no âmbito do setor legislativo. Há, atualmente, várias propostas legislativas que também enfrentam o tema da redução da jornada de trabalho sem redução salarial. Como exemplo citem-se o Projeto de Lei 1105/2023[5] e a PEC 221/2019[6]. Se o Poder Legislativo efetivamente deseja debruçar-se sobre o tema, pode ser interessante reunir todas as iniciativas relativas a ele, de maneira a oferecer uma proposta mais completa.
Registre-se igualmente, confome reconhecido na própria exposição de motivos da proposta de PEC, várias categorias já contam com jornadas semanais de trabalho inferiores a quarenta e quatro horas semanais. Tal fato resulta de vários fatores, sendo os principais a natureza do setor de atividade econômica e a negociação coletiva de trabalho realizada entre sujeitos estipulantes de Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho.
Trata-se de uma rica experiência histórica que pode ser aproveitada pelo legislador para promover alterações de jornada de trabalho de maneira socialmente útil e responsável. Para tanto, o Legislativo pode inclusive adotar medidas concretas para promover o pleno reconhecimento da liberdade sindical no Brasil, realidade até hoje desconhecida entre a maior parte da população.
A PEC do final da jornada de 6×1 já ultrapassou o número de assinaturas necessárias para a sua propositura. Contudo, a sua aprovação não será medida fácil, já que exige maioria qualificada para ser votada: a mudança deve ser aprovada por 3/5 dos membros, em dois turnos, tanto no Congresso, como no Senado Federal.
Enfim, para que eventual mudança legislativa possa efetivamente proporcionar uma diferença positiva nas relações de trabalho e na qualidade de vida dos trabalhadores, espera-se que o Congresso Nacional dê especial atenção à realidade do mercado de trabalho e da atividade econômica, além de curiosidade para entender a melhor forma de trazer benefícios sustentáveis e efetivos a ambas as partes.
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[1] Íntegra do documento disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/area/congresso-nacional/pec-do-fim-da-escala-6×1-veja-a-integra-da-proposta-que-mobiliza-as-redes/. Acesso em 12-11-2024.
[2] https://www.cut.org.br/noticias/reducao-da-jornada-sem-reduzir-salario-aumenta-produtividade-e-lucro-diz-economi-f191. Acesso em 12-11-2024.
[3] https://www.dieese.org.br/notatecnica/2010/notatec87ReducaoJornadaTrabalho.html. Acesso em 12-11-2024.
[4] https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2024/02/19/menos-faltas-e-mais-foco-o-que-diz-quem-passa-pelo-teste-da-semana-de-4-dias-no-brasil.ghtml Acesso em 12-11-2024.
[5] Veja status do referido PL em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/156208 . Acesso em 12-11-2024.
[6] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2233802 Acesso em 12-11-2024.