O POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUANTO ÀS MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS
Com a entrada em vigor da Lei 13.105/2015 – “Novo Código de Processo Civil” (CPC) –, muito se discutiu sobre o cabimento e o alcance das medidas executivas atípicas, já que não definidos no referido Codex.
O artigo 139, inciso IV, do CPC tão somente prevê que incumbe ao Juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.
Com isso, credores e/ou beneficiários de ordens judiciais passaram a apresentar os mais variados pedidos pautados nessa previsão legal, dentre os quais cita-se, exemplificativamente, bloqueios e/ou cancelamento de cartões de crédito, bloqueio e/ou suspensão de passaportes e carteiras de habilitação nacional (CNHs), quebra de sigilo bancário, entre outros.
Nesse contexto, formaram-se julgados a respeito das medidas executivas em si e, especialmente, sobre suas hipóteses de cabimento.
Em abril de 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) posicionou-se no sentido de que as medidas executivas atípicas serão admitidas “desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade” (Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 23/4/2019, DJe 26/4/2019).
Já em 09.02.2023, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 5.941, reconhecendo, portanto, a constitucionalidade do art. 139, IV, do CPC. Na ocasião, dita Corte ponderou que “não se pode concluir pela inconstitucionalidade de toda e qualquer hipótese de aplicação dos meios atípicos indicados na inicial”, justamente por ser inviável “pretender, apriorística e abstratamente, retirar determinadas medidas do leque de ferramentas disponíveis ao magistrado para fazer valer o provimento jurisdicional”, especialmente porque “a flexibilização da tipicidade dos meios executivos visa a dar concreção à dimensão dialética do processo, porquanto o dever de buscar efetividade e razoável duração do processo é imputável não apenas ao Estado-juiz, mas, igualmente, às partes” (ADI nº 5.941, DJ. 09.02.2024).
Outros julgados sobre o tema foram proferidos, especialmente pelo STJ, determinando que, além do caráter subsidiário da medida, devem ser respeitados os princípios do contraditório, da razoabilidade e da celeridade processual (REsp 1.804.024/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 20/08/2021), bem como a adequação e necessidade da ordem “para efetivar a tutela do direito do credor em face de devedor que, demonstrando possuir patrimônio apto a saldar o débito em cobrança, intente frustrar injustificadamente o processo executivo” (AgInt no REsp 1.930.022/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 25/06/2021).
A medida, porém, não pode ser usada como penalidade processual (AgInt no REsp 1916922/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 14/06/2021).
Mais recentemente, o STJ admitiu, sob o manto da medida executiva atípica, a “inclusão do nome da parte executada no SERASJUD”, bem como a “utilização do Cadastro Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB)”, desde que tais medidas, ao se analisar o caso concreto, observem a proporcionalidade e razoabilidade (RESP 1968880/RS, Rel. Afrânio Vilela, DJe. 17.09.2024).
Pois bem. Conquanto esses precedentes tenham guiado um uso parcimonioso do art. 139, inciso IV, do CPC, não foram suficientes para resolver a controvérsia sobre o tema.
Tanto é que, ao final de março de 2022, o STJ selecionou os Recursos Especiais 1.955.539 e 1.955.574 como representativo da controvérsia cadastrada como Tema 1.137, que objetiva definir se, nos termos do artigo “139, IV, do CPC/15, é possível, ou não, o magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos”.
Em razão desta afetação, foi determinada a suspensão do processamento de todos os feitos e recursos pendentes que versem sobre idêntica questão e que tramitem no território nacional, nos termos do art. 1.037, II, do CPC/2015.
Ainda assim, outros aspectos sobre o referido dispositivo legal continuam a ser processados perante o STJ – porque se referem à questões urgentes e flagrantemente ilegais –, tal como o tempo estimado para que as medidas executivas atípicas surtam seus efeitos.
Em emblemático julgamento do Habeas Corpus nº 711.194/SP (2021/0392045-2), o Ministro Relator Marco Aurélio Bellizze apresentou entendimento de que não seria possível que “ os meios executivos atípicos sejam impostos por tempo indeterminado sem a demonstração de uma justificativa plausível, e que se revele apenas como uma penitência imposta ao devedor sem a potencialidade de coagi-lo ao adimplemento”, sobretudo porque, naquele caso concreto, o bloqueio de passaporte perdurou por mais de dois anos e a parte executada ofereceu o percentual de 30% de sua aposentadoria para o abatimento proporcional do débito, “o qual, ainda que longevo, demonstra uma conduta inversa àquelas conhecidas dos devedores recalcitrantes”.
A Ministra Nancy Andrighi teve posição diversa. Destacou que a análise do caso concreto denota que os pacientes do HC desenvolveram certo modus operante com a finalidade de frustrar a execução de origem e outras em que são parte, o que – somado ao fato de que o oferecimento de percentual da aposentadoria, além de comprovar a eficácia da medida coercitiva atípica (suspensão de passaporte), se mostra inócua, já que se levariam anos para o cumprimento da satisfação e a executada já possui idade avançada – justifica a manutenção do bloqueio do passaporte.
A ilustra ministra ponderou, ademais, que “não há uma fórmula mágica e nem deve haver um tempo pré-estabelecido fixamente para a duração de uma medida coercitiva, que deve perdurar, pois, pelo tempo suficiente para dobrar a renitência do devedor, de modo a efetivamente convencê-lo de que é mais vantajoso adimplir a obrigação do que, por exemplo, não poder realizar viagens internacionais.”
Até que o Tema 1.137 do STJ seja julgado, os precedentes aqui invocados, em especial aquele do HC nº 711.194/SP, nortearão a aplicação das medidas executivas atípicas que, como visto, devem prevalecer até a satisfação da obrigação, sempre respeitados os requisitos definidos na jurisprudência.
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