EXECUÇÕES E BEM DE FAMÍLIA: O TJSP FLEXIBILIZA A PROTEÇÃO AO IMÓVEL SUNTUOSO
O Relatório da Justiça em Números (2024), elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aponta que as Execuções representam mais de 60% dos acervos processuais no TJ-SP. No último ano, a taxa geral de congestionamento[1] para execuções de títulos extrajudiciais não fiscais, em âmbito nacional, alcançou o preocupante índice de 87,3% dos processos em tramitação.
Ainda que o Código de Processo Civil, em seu art. 797, preveja que a Execução se dá no interesse do credor, há inúmeras regras processuais que visam assegurar o mínimo existencial do executado, o que encontra amparo no princípio da menor onerosidade ao devedor (art. 805 do CPC), no rol de bens impenhoráveis (art. 833 do CPC), no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal) e no direito à moradia (art. 6º, da Constituição Federal).
Dentre as regras mencionadas acima, também está a Lei nº 8.009/1990, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, assim entendido como aquele único imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, ou o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados (art. 1º, caput e parágrafo único).
Ainda que a referida lei disponha sobre as hipóteses em que esses bens possam ser penhorados (art. 3º, incisos, e 4º, da Lei nº 8.009/1990), a jurisprudência tem se mostrado garantista em litígios que envolvem a constrição do bem de família, mesmo que sejam de alto padrão e possuam relevante valor de mercado (bens suntuosos).
Recentemente, porém, temos visto uma modificação desse cenário, ao menos no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo. Como base, utiliza-se o mais recente precedente da 12ª Câmara de Direito Privado do TJSP, publicado em 19.12.2024, e distribuído sob o nº 2338345-88.2024.8.26.0000.
A questão posta para a análise do Tribunal Bandeirante residia na controvérsia acerca da (im)possibilidade de penhora de bem de família considerado luxuoso.
A relatora do caso, Desembargadora Sandra Esteves, seguida pelos demais desembargadores que compunham a turma julgadora, entendeu pela viabilidade da penhora.
Ainda que, na ocasião, os julgadores tenham repisado a máxima de que é impassível de penhora o bem utilizado como residência do ente familiar, e tenham reconhecido que “o entendimento jurisprudencial majoritário veda a penhora do bem de família, ainda que se trate de bem suntuoso”; eles alertaram que “ao legislador é impossível prever todas as vicissitudes da vida em sociedade” e que a ratio da Lei nº 8.009/1990 visava assegurar o direito constitucional à moradia, não à propriedade de imóvel à escolha do devedor insolvente.
Diante da hipótese, os desembargadores entenderam que a aplicação fria da lei conduziria a um cenário de injustiça social, de modo que autorizaram a penhora do bem de família suntuoso e sua subsequente alienação judicial, assegurando ao devedor a aquisição de nova moradia digna com o produto obtido (diferença entre o débito que se executava e o valor do bem alienado).
Seguindo esse mesmo posicionamento, são os mais recentes julgados sobre o tema no TJSP: (i) Agravo Interno nº 2300962-76.2024.8.26.0000 (12ª Câmara de Direito Privado; publicado em 16.12.2024); (ii) Agravo Interno nº 2300962-76.2024.8.26.0000 (12ª Câmara de Direito Privado; publicado em 02.12.2024); e (iii) Agravo de Instrumento nº 2130057-09.2022.8.26.0000 (12ª Câmara de Direito Privado; publicado em 17.11.2023).
Mesmo que a jurisprudência do STJ[2] ainda preserve a impenhorabilidade de bens de família suntuosos, a posição adotada nesses precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo revela uma tendência de releitura normativa orientada pelo equilíbrio entre os direitos fundamentais do devedor e a tutela executiva do credor, de modo que resta saber se essa inflexão interpretativa encontrará ressonância nas Cortes superiores ou se será refreada pela consolidação de entendimentos garantistas já firmados.
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O FCAR possui grande expertise em processos de Execução, de modo que fica à disposição para realizar a análise caso a caso e auxiliar em caso de dúvidas sobre o assunto.
Referências:
BRASIL. Justiça em Números 2023/Conselho Nacional de Justiça. Brasília: CNJ, 2023.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 mar. 2015.
BRASIL. Lei nº 8.009/1990, de 29 de março de 1990. Impenhorabilidade de Bem de Família. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 mar. 1990.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento 2338345-88.2024.8.26.0000; Relator (a): Sandra Galhardo Esteves; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jundiaí – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/12/2024; Data de Registro: 19/12/2024.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo Interno Cível 2300962-76.2024.8.26.0000; Relator (a): Jacob Valente; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 13ª Vara Cível; Data do Julgamento: 02/12/2024; Data de Registro: 02/12/2024.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo Interno Cível 2300962-76.2024.8.26.0000; Relator (a): Jacob Valente; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 13ª Vara Cível; Data do Julgamento: 02/12/2024; Data de Registro: 02/12/2024.
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumento 2130057-09.2022.8.26.0000; Relator (a): Castro Figliolia; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 13ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/11/2023; Data de Registro: 17/11/2023.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial: 2.629.196/SP (2024/0128939-1); Relator (a): Ricardo Villas Bôas Cueva; Terceira Turma; Data do Julgamento: 16/12/2024; Data de Registro: 20/12/2024.
[1] Taxa de Congestionamento: indicador que mede o percentual de casos que permaneceram pendentes de solução até o final do ano-base, em relação ao que tramitou (soma dos pendentes e dos baixados). – BRASIL. Justiça em Números 2023/Conselho Nacional de Justiça. Brasília: CNJ, 2023.
[2] STJ – AgInt no AREsp: 2629196 SP 2024/0128939-1, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 16/12/2024, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/12/2024.