STF ANULA DECISÃO DO CARF E REFORÇA A LICITUDE DA TERCEIRIZAÇÃO EM ATIVIDADE-FIM
A chamada “pejotização” — prática pela qual profissionais prestam serviços por meio de pessoas jurídicas — tem se consolidado como alternativa recorrente nas relações de trabalho, por proporcionar redução da carga tributária para ambas as partes envolvidas.
Essa modalidade contratual, cada vez mais adotada, representa um instrumento de flexibilização nas contratações e de otimização de resultados financeiros, tanto pela diminuição de encargos trabalhistas para as empresas quanto pela possibilidade de planejamento tributário para os prestadores de serviço.
A consolidação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (“STF”) quanto à validade da terceirização, inclusive em atividades-fim, e à legalidade da pejotização, conferiu novo contorno às relações de trabalho no Brasil.
Contudo, essas decisões ainda enfrentam resistência em instâncias administrativas, como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“Carf”), que, em algumas situações, desconsidera a forma contratual escolhida pelas partes e requalifica as relações como vínculos empregatícios, com repercussões tributárias relevantes — especialmente no tocante à exigência de contribuições previdenciárias e à aplicação da multa isolada prevista no art. 7º, inciso I, da Lei nº 7.713/1988, relativa à ausência de retenção do Imposto de Renda.
Um exemplo emblemático ocorreu recentemente, quando a 1ª Turma do STF, em decisão proferida em fevereiro deste ano, anulou autuação fiscal confirmada pela 2ª Turma da Câmara Superior do Carf. O caso envolvia uma empresa de engenharia que contratava engenheiros especializados por meio de pessoas jurídicas. Embora a empresa defendesse a regularidade da contratação com base no artigo 129 da Lei nº 11.196/2005 — dispositivo que reconhece expressamente a possibilidade de prestação de serviços intelectuais por PJ sem configuração automática de vínculo empregatício —, o Carf entendeu que os contratos mascaravam uma típica relação de emprego.
Segundo a decisão administrativa, havia indícios de pessoalidade, habitualidade, subordinação e remuneração fixa, o que, na visão do Conselho, descaracterizava a autonomia entre as partes e justificava a incidência das contribuições previdenciárias e a penalidade fiscal.
Contudo, ao julgar a Reclamação Constitucional nº 71.838, o STF concluiu que o Carf extrapolou sua atuação ao desconsiderar a forma contratual adotada sem evidências suficientes de fraude ou simulação. O relator, ministro Cristiano Zanin, destacou que os profissionais contratados eram plenamente capazes e que não havia demonstração de vulnerabilidade ou dependência econômica. Por essa razão, não caberia à administração pública presumir subordinação a partir de critérios genéricos. O voto do relator foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux e Alexandre de Moraes, vencidos os ministros Flávio Dino e Cármen Lúcia.
Essa decisão reafirma o entendimento consolidado pelo STF no julgamento do Tema 725, em que se reconheceu a licitude da terceirização em qualquer etapa da cadeia produtiva, e na ADC 66/DF, que declarou constitucional o artigo 129 da Lei nº 11.196/2005.
O precedente representa não apenas a defesa da pejotização legítima e da autonomia contratual entre partes capazes, mas também um firme posicionamento quanto aos limites de atuação dos órgãos administrativos. O STF deixa claro que decisões administrativas devem respeitar os entendimentos vinculantes dos tribunais superiores, sob pena de violarem os princípios da segurança jurídica e da isonomia.
Nesse cenário, um novo desdobramento reforça a urgência de uniformização da interpretação sobre o tema. No dia 14 de abril de 2025, o ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão de todos os processos judiciais que envolvam a contratação de pessoas jurídicas para prestação de serviços — a chamada pejotização. Segundo o ministro, a Justiça do Trabalho tem reiteradamente descumprido a orientação do Supremo, contribuindo para um cenário de grave insegurança jurídica e para o aumento expressivo de ações sobre o tema na Corte.
Além disso, o Plenário do STF decidiu que fixará entendimento com repercussão geral, de observância obrigatória por todos os tribunais do país. O julgamento envolverá três questões centrais: (i) a validade dos contratos firmados por pessoas jurídicas; (ii) a competência da Justiça do Trabalho para julgar eventuais fraudes; e (iii) a definição sobre o ônus da prova — se cabe ao trabalhador ou ao contratante comprovar a existência (ou não) de vínculo empregatício dissimulado.
Esse novo marco será definido no âmbito do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.532.603, cuja repercussão geral foi reconhecida sob o Tema 1389. A decisão de mérito que vier a ser proferida será vinculante e deverá ser respeitada por todas as instâncias do Poder Judiciário. Até lá, os processos em curso permanecerão suspensos.
Com essa medida, o STF reafirma que a liberdade contratual deve ser preservada quando exercida por partes capazes e dentro dos limites legais. A expectativa é de que o futuro julgamento traga maior previsibilidade para as empresas e proteção para os profissionais, combatendo eventuais fraudes sem comprometer relações contratuais legítimas.
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