34 ANOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990) (“CDC”) completa 34 anos de vigência e se consolidou como o instrumento de proteção do consumidor e ao mesmo de harmonização das relações de consumo.
Como bem leciona Sergio Cavalieri Filho: “(…) o espírito da lei não é privilegiar o consumidor, mas, sim, dotá-lo de recursos materiais e instrumentais que o coloquem em posição de equivalência com o fornecedor, visando ao equilíbrio e à harmonia da relação de consumo, respeitados os princípios da equidade e da boa-fé, entendidos, estes últimos, como via de mão dupla, ou seja, o que vale para o consumidor deve valer para o fornecedor e vice-versa”[1].
Ao longo dos 34 anos de vigência, o CDC trouxe inúmeros avanços nas relações travadas entre consumidores e fornecedores, tanto nas discussões doutrinárias, como na aplicação da lei nos casos concretos pelos Tribunais, sinalizando uma preocupação dos operadores do direito em observar as normas e princípios consagrados na legislação consumerista, para assegurar não só a harmonia na relação entre consumidor e fornecedor, como também a efetiva proteção do consumidor.
Nessa perspectiva, percebeu-se uma evolução significativa ao longo dos tempos na interpretação de diversos temas pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) relacionados ao CDC.
Um dos exemplos nessa evolução interpretativa está na aplicação do CDC para as pessoas jurídicas. O STJ, depois de inúmeros debates sobre o tema, consolidou a aplicação da teoria finalista mitigada/aprofundada na definição de consumidor – que pelo artigo 2º do CDC seria “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. De acordo com essa teoria, a pessoa jurídica para se valer dos benefícios do CDC, além de adquirir produtos ou serviços para o desenvolvimento de sua atividade empresarial, deverá comprovar sua hipossuficiência técnica ou fática diante do fornecedor[2].
Outro exemplo neste processo evolutivo na aplicação do CDC está relacionado à aplicação do artigo 18, §1º, do CDC[3]. Inúmeros eram os precedentes do STJ[4] em que, nas situações em que o vício não era sanado no prazo máximo de 30 (trinta) dias, concluía-se que o consumidor poderia, imediatamente, exigir a substituição do produto ou a restituição da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço.
Recentemente, buscando preservar a coexistência dos princípios consagrados na legislação consumerista e manter o equilíbrio nos vínculos entre consumidores e fornecedores, a Terceira Turma do STJ decidiu que a inobservância do prazo de 30 (trinta) dias para saneamento de vício no produto (artigo 18, § 1º, do CDC), por si só, não assegura ao consumidor o direito à restituição do valor pago pelo produto[5]. Logo, a finalidade do artigo 18, § 1º, do CDC é atingida com o reparo do vício do produto sem custos ao consumidor, mesmo que ultrapassado o prazo de 30 (trinta) dias.
O julgamento realizado pela Terceira Turma do STJ revela a evolução interpretativa do CDC ao longo dos anos, evolução essa admitida justamente em razão da legislação consumerista ser uma lei principiológica, que pretende compatibilizar os interesses dos consumidores e fornecedores.
Por meio desse processo evolutivo da interpretação e aplicação do CDC, verifica-se uma constante preocupação na harmonização das relações de consumo, na medida em que, além de preservar os direitos dos consumidores, busca não onerar ou, até mesmo, inviabilizar a atividade empresarial do fornecedor, garantindo o equilíbrio entre a proteção do consumidor e a preservação da livre iniciativa e do desenvolvimento da ordem econômica[6].
A evolução da interpretação da norma aniversariante garante um equilíbrio e harmonia nas relações de consumo, preservando-se a ordem econômica, com o estímulo da atividade produtiva, geração de empregos pelos fornecedores e a movimentação da economia no país, mas, também, a efetiva proteção dos consumidores.
Há vários outros exemplos desse processo evolutivo da legislação consumerista ao longo destes 34 anos para garantir maior equilíbrio, harmonia e segurança nas relações de consumo, tais como avanços no tratamento dos direitos básicos ao consumidor, nas práticas comerciais, práticas abusivas, cobrança de dívidas, prevenção e tratamento de situações de superendividamento, entre outros temas que, dada a relevância e particularidade, demandam artigos específicos.
Assim, em que pese o CDC venha enfrentado uma série de desafios diante da rápida transformação que a sociedade vem passando – principalmente àquela decorrente da revolução tecnológica – é inquestionável a resiliência da legislação consumerista, por meio dessa evolução interpretativa, em apresentar respostas a essas mudanças.
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Renato José Cury. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP. Presidente da AASP no biênio 2019-2020. Sócio em Françolin, Cury, Alouche e Ramos Sociedade de Advogados. E-mail: rcury@fcaradv.com.br.
Camila Bueno do Prado Kiraly. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogada em Françolin, Cury, Alouche e Ramos Sociedade de Advogados. E-mail: ckiraly@fcaradv.com.br.
[1] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor, São Paulo: Atlas, 2008, p. 80.
[2] STJ, REsp n. 2.020.811/SP, relatora Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 29.11.2022, DJE 1.12.2022.
[3] Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
- 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III – o abatimento proporcional do preço.
[4] A título de exemplo: STJ, REsp n. 1297690 / PR, Relator Marco Buzzi, Quarta Turma; julgado em 4.6.2013; DJE 6.8.2013;
AgInt nos EDcl no REsp 1.697.426/MG, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13.12.2021, DJe 16.12.2021.
[5] STJ, REsp 2.103.427/GO, Relatora Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21.6.2024, DJE 25.6.2024.
[6] Artigos 5º, inciso XXXII e 170, V da Constituição Federal.