28 ANOS DA LEI DE ARBITRAGEM
A arbitragem foi instituída pela Lei nº 9.307/1996 (“Lei de Arbitragem”), que completa 28 anos neste dia 23 de setembro. Ao longo desse tempo, a arbitragem foi se mostrando um importante, eficiente e consolidado mecanismo alternativo de solução de disputas onde as partes podem escolher os julgadores (árbitros)[1].
É importante ressaltar o papel fundamental do Poder Judiciário na consolidação da arbitragem no Brasil, na medida em que se constrói uma jurisprudência que prestigia o instituto e a autonomia da vontade das partes, garantindo a higidez das sentenças arbitrais.
Nada obstante, é certo que quanto mais a arbitragem se torna conhecida e adotada no país, maiores são as discussões acerca dos poderes e deveres dos árbitros, qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes, devendo atuar com imparcialidade e independência, conforme dispõem o caput e parágrafo 6º do artigo 13 da Lei de Arbitragem[2].
Com efeito, para que seja possível garantir às partes que os árbitros conduzirão o procedimento arbitral de forma imparcial, é imprescindível conceder à parte a possibilidade de recursar o árbitro indicado, caso entenda necessário. Assim, a pessoa indicada para atual como tal tem o dever de, antes de aceitar o encargo, revelar qualquer fato que possa gerar dúvida quanto à sua imparcialidade e independência, de acordo com o artigo 14, parágrafo 1º da Lei de Arbitragem[3].
O dever de revelação do árbitro e as consequências decorrentes de eventual vício nesse processo ganharam mais evidência e vêm sendo pauta de calorosos debates, seja nas discussões acadêmicas, seja no âmbito do Poder Judiciário[4] por meio das ações anulatórias de sentença arbitral ou mesmo na esfera legislativa por meio de propostas de leis que visam introduzir regras objetivas para atuação dos árbitros e para o exercício do dever de revelação[5].
Nesse contexto, vale destacar a recente decisão do STJ proferida no âmbito julgamento do REsp nº 2101901/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, em que foram analisados diversos aspectos que envolvem o tema do dever de revelação, inclusive se a sua violação pode gerar automaticamente a nulidade da sentença arbitral.
Na decisão restou consignado que “o fato não revelado apto a anular a sentença arbitral precisa demonstrar extinguir a confiança da parte e abalar a independência e a imparcialidade do julgamento do árbitro. Para tanto, são necessárias provas contundentes, não bastando alegações subjetivas desprovidas de relevância no que tange aos seus impactos”.
Além disso, o voto da Ministra Relatora também ressaltou que “cabe às partes colaborar com o dever de revelação, solicitando ao árbitro informações precisas sobre fatos que eventualmente possam comprometer sua imparcialidade e independência”.
Por fim, foi registrado no acórdão que a falha no dever de revelação e a imparcialidade do árbitro não se confundem, sendo apenas a última fundamento para anular uma sentença arbitral e o primeiro um elemento para, a depender da situação fática, levar a conclusão de parcialidade.
Portanto, seguindo a doutrina, o acórdão evidenciou que quando uma parte alega a violação do dever de revelação em ação anulatória, não seria simplesmente a existência de fato não relevado que macularia a sentença arbitral, mas deve-se analisar a capacidade desse fato não revelado, aliado a eventuais outros elementos, ser suficiente para demonstrar quebra da independência e imparcialidade do árbitro e, assim, malucar a sentença proferida.
O julgamento do mencionado recurso especial não foi unânime, tendo sido destacado pelo Ministro Humberto Martins que “deve ser exigido do árbitro a maior transparência possível, de forma que todos os dados e circunstâncias sobre seu histórico profissional e social que podem, razoavelmente, gerar dúvida ou abalar a crença sobre sua imparcialidade e independência devem ser por ele revelados”.
A partir da análise do julgado, pode-se depreender que, independentemente de seu resultado, o cumprimento do dever de revelação vem sendo definido pelo Poder Judiciário como um relevante mecanismo de preservação do instituto da arbitragem, sempre no sentido de se exigir um posicionamento mais ativo dos árbitros, e até mesmo das partes, com relação ao dever de revelação.
Nessa seara, é imprescindível que as partes façam o “dever de casa” de analisar de forma criteriosa os possíveis nomes indicados para atuarem como árbitro. Do mesmo modo, aqueles que forem indicados devem cumprir com a máxima transparência e desprendimento o dever de revelar os fatos que podem causar qualquer tipo de dúvidas às partes no que diz respeito a sua imparcialidade e independência no exercício da atividade judicante.
Esse momento de indicação dos árbitros para a formação do tribunal arbitral é de suma relevância, pois, sem dúvidas, pode impactar na validade e eficácia da sentença a ser proferida.
Logo, é importante que haja o empenho das pessoas indicadas no exercício do seu dever de revelar, das partes em cooperar com esse processo, solicitando as informações precisas que entendem serem pertinentes, e o debate sobre as revelações e esclarecimentos prestados a fim de que seja realizada, se for o caso, a impugnação à nomeação no momento oportuno, evitando-se, assim, prejuízos financeiros e tempo despendido com todo o procedimento arbitral e, posteriormente, ainda com uma eventual ação anulatória.
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Renato José Cury. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP. Presidente da AASP no biênio 2019-2020. Sócio em Françolin, Cury, Alouche e Ramos Sociedade de Advogados. E-mail: rcury@fcaradv.com.br.
Isabella Arrais Araujo. Graduada pela Pontifícia Universidade Católica – SP. Advogada em Françolin, Cury, Alouche e Ramos Sociedade de Advogados. E-mail: iarrais@fcaradv.com.br.
REFERÊNCIAS:
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei nº 9.307/96. 4ª edição, São Paulo: Atlas, 2023.
PARENTE, Eduardo de Albuquerque. As consequências do dever de revelação dos árbitros por via judicial. Migalhas, 19 jun. 2024. Disponível em https://www.migalhas.com.br/coluna/observatorio-da-arbitragem/409636/as-consequencias-do-dever-de-revelacao-dos-arbitros-por-via-judicial . Acesso em 16 set. 2024.
[1] Art. 13, §§ 1º e 4º.
[2] Art. 13. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.
- 6º No desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição.
[3] Art. 14, §1º. As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência.
[4] Há também a ADPF 1.050 em que se busca o Supremo Tribunal Federal estabeleça critérios sobre o dever de revelação dos árbitros.
[5] PL 3293/2021