JUROS DE MORA: A NOVA DISCIPLINA NO CÓDIGO CIVIL E O JULGAMENTO DO STJ
Os valores a serem pagos em condenações civis podem sofrer mudanças significativas diante do recente julgamento do STJ e a alteração legislativa em relação à fixação da taxa dos juros de mora.
Desde a entrada em vigor do Código Civil de 2002, uma longa discussão jurídica foi travada nos Tribunais brasileiros em relação à fixação dos juros moratórios. Isso porque, a redação anterior do artigo 406 do Código Civil estabelecia que os juros de mora seriam calculados de acordo com a taxa que “estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”.
A partir daí, surgiu uma questão: qual a taxa de juros devida para os débitos com a Fazenda Nacional?
Duas correntes se formaram em relação à controvérsia: (i) de um lado, a tese adotada pela maioria dos Tribunais de Justiça no sentido de que a taxa de juros seria de 1% ao mês, conforme a disposição do artigo 161, §1º, do Código Tributário Nacional (“CTN”), ou seja, juros de mora “à taxa de um por cento ao mês”; (ii) de outro lado, a tese de que seria a Selic, já que é a taxa utilizada para a mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
Após anos de discussão, a questão foi levada à Corte Especial do STJ, em sede de julgamento do REsp 1.795.982.
No julgamento, ficou clara a relevância da discussão e a existência de argumentos para ambos os lados, na medida em que a tese vencedora teve êxito por maioria, em um julgamento por 6 votos a 5.
Prevaleceu o voto divergente, capitaneado pelo Ministro Raul Araújo, que decidiu pela aplicação da Selic. Tal entendimento é, inclusive, fundado em parecer econômico do ex-presidente do Banco Central do Brasil, Gustavo Franco, no sentido de que “a taxa Selic é sim o espelho do mercado monetário, a medida do estado geral da liquidez, a taxa básica da economia, o principal parâmetro para a determinação do custo de crédito e, portanto, dos termos de troca entre o presente e o futuro, o preço do amanhã. Não há melhor indicador para esses conceitos que a taxa Selic”.
Após algumas questões de ordem suscitadas e depois superadas, o acórdão foi publicado.
No entanto, antes mesmo da publicação do acórdão acima mencionado, foi sancionada a Lei nº 14.905, de 28 de junho de 2024. Com o objetivo de encerrar uma controvérsia de longa data – conforme exposição de motivos da própria Lei – acerca da aplicação da taxa de juros moratórios envolvendo obrigações civis e contratuais, a referida Lei promoveu alterações, especialmente, nos artigos 389 e 406 do Código Civil.
Com efeito, a Lei (que entrou em vigor em 30.08.2024) instituiu que:
- “Quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei”, será aplicada a taxa dos juros moratórios legais da Selic, deduzida do IPCA (art. 406, §1º, CC).
- Caso o índice de atualização monetária não tenha sido convencionado ou não esteja previsto em lei específica, será aplicada a variação do IPCA, ou do índice que vier a substituí-lo (art. 389, parágrafo único, CC).
- A metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional (“CMN”) e divulgadas pelo BACEN (art. 406, §2º, CC) – “calculadora do cidadão”.
Em princípio, as disposições legais parecem solucionar eventuais discussões dos índices e forma de aplicação de juros e correção monetária das novas situações que surgirem, tendo em vista que a Lei tem aplicação imediata a partir da sua data de vigência.
Mas como fica a situação de casos já em andamento, que possuem sentenças e acórdãos com fixação de parâmetros distintos da nova Lei? Ou até mesmo aqueles em que a sentença ou acórdão são genéricos quanto a seus parâmetros (“encargos na forma da Lei”)?
A discussão em relação a esses cenários está longe de ser pacificada, à luz da aplicação das regras do direito intertemporal. A questão ganha ainda mais relevância quando se analisa os diferentes entendimentos que se consolidaram: o STJ, como visto, entende pela aplicação da Selic; os Tribunais entendem pela aplicação de correção monetária pela tabela prática do Tribunal e juros de mora de 1% ao mês; e a nova Lei, que segue um novo caminho, estipulando a correção monetária pelo IPCA e juros moratórios pela Selic, deduzido o IPCA.
Afinal, qual entendimento prevalecerá? Os diferentes entendimentos de fato impactam no valor a ser desembolsado nas condenações?
Como exemplo, mencionamos o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo[1], em que discute justamente a aplicação dos juros moratórios para um caso já em curso.
No referido caso, a 31ª Câmara de Direito Privado, em acórdão de relatoria do Desembargador Adilson de Araujo, entendeu que a correção monetária e os juros moratórios deverão ser aplicados de acordo com o comando fixado em sentença (no caso concreto, a correção monetária seria calculada mediante utilização da Tabela Prática do Tribunal de Justiça e os juros de mora de 1% ao mês) até o início da vigência da Lei nº 14.905/2024, quando esta passará a ser aplicada.
Trata-se, portanto, de uma interpretação que contraria a decisão do STJ que estabeleceu a aplicação da Selic e certamente o caso deverá ser objeto de recurso. De qualquer forma, remanesce a discussão, especialmente nos casos onde a decisão não consignou expressamente os critérios de correção e juros moratórios (ou seja, “os encargos na forma da Lei”). Neste cenário genérico, não temos dúvidas de que a interpretação a ser adotada para o período anterior à vigência da Lei nº 14.905/2024 seria o entendimento majoritário do STJ (aplicação da Selic).
Outro exemplo consiste no próprio caso julgado pelo STJ em sede do REsp 1.795.982, publicado no último dia 23.10.2024. Naquela ação, em que se discutia a indenização a uma passageira por acidente em serviço de transporte por ônibus, o STJ reformou o acórdão do TJ/SP, que fixava os juros moratórios em 1% ao mês e correção monetária pela Tabela Prática do TJ/SP para aplicar a Selic.
Essa diferença na fixação da taxa de juros de mora e correção monetária gera grande impacto na liquidação e pagamento da condenação.
Nos parece que esta situação ainda demandará debates, notadamente no STJ para seja pacificada a discussão.
Diante de todo o exposto, apesar de a Lei nº 14.905/2024 ter expressamente fixado o índice de correção monetária (IPCA) e a taxa de juros (Selic – deduzido o IPCA), ainda haverá muita discussão acerca da aplicabilidade das novas regras aos casos em curso nos diferentes cenários.
Por fim, eventual revisão de valores provisionados de condenações judiciais pendentes de pagamento deverá ser feita com muita cautela por meio da análise do caso a caso.
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O FCAR Advogados fica à disposição para realizar a análise caso a caso e auxiliar em caso de dúvidas sobre o assunto.
[1] Agravo de Instrumento nº 2186621-37.2024.8.26.0000, julgado em 20.09.2024.